Há alguns meses, uma pessoa de valor inestimável deixou meu
convívio e foi brilhar no plano espiritual. Depois de 27 anos na terra, 14 deles
junto a mim, sua missão foi cumprida e ele se dirigiu à eternidade onde todos
nos encontraremos.
Desde que ele se foi, os meses passam e eu me pego
recuperando as lições que ele me deixou. E não foi diferente agora, em janeiro,
quando me peguei a divagar sobre o que eu sou e o que o mundo quer que eu seja.
Passamos juntos pela adolescência e confesso que a firmeza
dele me ensinou a ser mais firme. Fui uma criança que sofreu muito bullying,
num tempo em que esse termo nem era usado, por ser “diferente”. Diferente por
gostar mais de ler do que de brincar de pique (mas brinquei muito, também), por
ter gostos e conhecimentos que não eram os da maioria, por falar e escrever
corretamente. Diferente por não ter a aparência ou vestir as roupas que diziam
ser o padrão. Diferente por enxergar o que poucos enxergavam. Naturalmente,
depois de tanto sofrer pelos julgamentos em relação à minha forma de ser,
passei a esconder meu verdadeiro jeito, tentando mostrar para o mundo que eu
era, sim, normal.
Foi quando cheguei à escola onde estudávamos e o encontrei.
De repente, encontrei alguém igual a mim, só que sem medo! Alguém que também
sofria com julgamentos sobre a sua personalidade, mas que não tinha medo de ser
o que era. Que falava o que pensava, dividia suas observações criteriosas,
usava os termos que queria usar, e era respeitado até por quem falava mal dele.
E foi junto desse amigo que aprendi a não ter mais vergonha de ser quem eu sou,
a não ligar para o que os outros iriam pensar.
Uma vez, outro amigo nosso disse que eu, eles e mais uns
poucos éramos as únicas pessoas normais da nossa série, e ele disse que não,
que nós éramos os únicos anormais. Porque normal é comum, esperado,
padronizado. Nós éramos os incomuns, os que faziam a diferença, e assim fomos
até o fim dos tempos de colégio e além, porque vimos que aquilo era bom.
Os julgamentos acabaram? Claro que não! Ao contrário: à
medida que crescemos, eles só se tornaram piores. Muitas vezes, as pessoas que
deveriam apoiar a nossa realização enquanto seres humanos, no exercício pleno
da nossa personalidade, foram as primeiras a nos jogar pedras. Sei que todo
mundo passa por isso em algum momento, e só existem dois caminhos nessa
situação: ou você se enquadra (e é o que esperam) ou você se assume (é o que te
faz feliz no fim).
Nós escolhemos nos assumir. Não poupamos o mundo nem do nosso
melhor, nem do nosso pior, uma vez que esse último também é parte de nós. Expandimos
nossos horizontes, ficamos amigos dos professores, de colegas de outras turmas
e séries, das crianças, e carregamos muitas dessas amizades pela vida adulta.
Mostramos nosso lado sombrio quando foi necessário, mas deixamos nosso lado
luminoso irradiar por onde passamos, atraindo a admiração cordial de alguns e a
inveja (admiração negativa) de muitos! Mas fomos o que fomos, e eu ainda sou o
que sou.
Porque em algum momento, ainda quando éramos bem jovens,
percebemos que só dava para ser feliz assim: sendo verdadeiros conosco mesmos e
com os outros. E então nos demos conta de que sermos tachados de anormais não
era ruim. Porque o que realmente importa não é ser normal, é ser real!