domingo, 18 de janeiro de 2015

Os anormais

Há alguns meses, uma pessoa de valor inestimável deixou meu convívio e foi brilhar no plano espiritual. Depois de 27 anos na terra, 14 deles junto a mim, sua missão foi cumprida e ele se dirigiu à eternidade onde todos nos encontraremos.
Desde que ele se foi, os meses passam e eu me pego recuperando as lições que ele me deixou. E não foi diferente agora, em janeiro, quando me peguei a divagar sobre o que eu sou e o que o mundo quer que eu seja.
Passamos juntos pela adolescência e confesso que a firmeza dele me ensinou a ser mais firme. Fui uma criança que sofreu muito bullying, num tempo em que esse termo nem era usado, por ser “diferente”. Diferente por gostar mais de ler do que de brincar de pique (mas brinquei muito, também), por ter gostos e conhecimentos que não eram os da maioria, por falar e escrever corretamente. Diferente por não ter a aparência ou vestir as roupas que diziam ser o padrão. Diferente por enxergar o que poucos enxergavam. Naturalmente, depois de tanto sofrer pelos julgamentos em relação à minha forma de ser, passei a esconder meu verdadeiro jeito, tentando mostrar para o mundo que eu era, sim, normal.
Foi quando cheguei à escola onde estudávamos e o encontrei. De repente, encontrei alguém igual a mim, só que sem medo! Alguém que também sofria com julgamentos sobre a sua personalidade, mas que não tinha medo de ser o que era. Que falava o que pensava, dividia suas observações criteriosas, usava os termos que queria usar, e era respeitado até por quem falava mal dele. E foi junto desse amigo que aprendi a não ter mais vergonha de ser quem eu sou, a não ligar para o que os outros iriam pensar.
Uma vez, outro amigo nosso disse que eu, eles e mais uns poucos éramos as únicas pessoas normais da nossa série, e ele disse que não, que nós éramos os únicos anormais. Porque normal é comum, esperado, padronizado. Nós éramos os incomuns, os que faziam a diferença, e assim fomos até o fim dos tempos de colégio e além, porque vimos que aquilo era bom.
Os julgamentos acabaram? Claro que não! Ao contrário: à medida que crescemos, eles só se tornaram piores. Muitas vezes, as pessoas que deveriam apoiar a nossa realização enquanto seres humanos, no exercício pleno da nossa personalidade, foram as primeiras a nos jogar pedras. Sei que todo mundo passa por isso em algum momento, e só existem dois caminhos nessa situação: ou você se enquadra (e é o que esperam) ou você se assume (é o que te faz feliz no fim).
Nós escolhemos nos assumir. Não poupamos o mundo nem do nosso melhor, nem do nosso pior, uma vez que esse último também é parte de nós. Expandimos nossos horizontes, ficamos amigos dos professores, de colegas de outras turmas e séries, das crianças, e carregamos muitas dessas amizades pela vida adulta. Mostramos nosso lado sombrio quando foi necessário, mas deixamos nosso lado luminoso irradiar por onde passamos, atraindo a admiração cordial de alguns e a inveja (admiração negativa) de muitos! Mas fomos o que fomos, e eu ainda sou o que sou.
Porque em algum momento, ainda quando éramos bem jovens, percebemos que só dava para ser feliz assim: sendo verdadeiros conosco mesmos e com os outros. E então nos demos conta de que sermos tachados de anormais não era ruim. Porque o que realmente importa não é ser normal, é ser real!


segunda-feira, 20 de outubro de 2014

De passagem

Bom dia, queridos leitores! 
Depois de tanto tempo sem escrever, de repente, a inspiração me chamou e resolvi voltar. Vinha querendo voltar há tempos, mas, como sempre, a vida chama para tanta coisa que a cabeça não dá conta de tudo. 
Nesse período em que fiquei afastada me aconteceram muitas coisas. Entre estudos, trabalhos e contatos, novas ideias e impressões vieram me transformando. O cabelo continua vermelho, a alma continua ruiva e o horizonte, agora, parece um pouco mais claro.
Há alguns dias, quando ainda pensava em voltar com o blog antigo, estive pensando em coisas que gosto de fazer no Rio e que nunca irão entrar no roteiro para nenhum turista. E eu não sou turista, sou residente na cidade, onde também nasci e de onde me mudei antes de completar um ano, para só retornar perto de completar doze. No entanto, só consegui pensar em como muitas das minhas ideias agradariam quem estivesse por aqui só de passagem.
Então me lembrei que, de passagem, eu também estou. Não é a sensação de pertencimento que me faz contemplar os espaços e desejar ser parte deles, mas a falta dela. Talvez por ter saído muito cedo de casa, entendi que meu lugar é o mundo e que, em cada ponto da sua superfície, sempre estarei de passagem.
Às vezes em períodos longos, em outras, curtos, mas, em todas, as passagens são estágios que engordam o currículo da nossa vida. Lembro-me da bela canção de Jorge Drexler que diz: “hay gente que es de um lugar, no es mi caso; yo estoy aquí, yo estoy aquí de paso”, e é isso mesmo, estar de passagem nos faz romper amarras e viver plenamente nossas experiências (a ideia de romper amarras me fez lembrar de outra canção de Jorge Drexler, mas dessa eu falo depois).

Por isso, compartilho com vocês essa percepção e lanço como proposta o olhar, ainda que momentaneamente, de alguém que está de passagem pelos lugares onde estamos diariamente. Acreditem, eles guardam surpresas, e das grandes! As experiências mais marcantes surgem aparentemente por acaso, só cabe a nós a abertura para que elas aconteçam.